MANIFESTO DE UM SERVIDOR À DERIVA
Manifesto completo e finalizado:
MANIFESTO DE UM SERVIDOR À DERIVA
Dante Vitoriano Locatelli
Médico Perito Federal – SIAPE 1610383
Servidor público desde 30/09/1998 | INSS desde 2008
Servidor público, sempre ininterrupto, desde 30 de setembro de 1998 e lotado no INSS desde 2008, vivi na pele a maratona burocrática que hoje me faz esperar oito anos pela minha aposentadoria.
Como servidor há mais de dez anos, eu sabia que seria difícil e já comecei a movimentar tudo antes mesmo de ter direito: antes de completar os 25 anos de trabalho, pedi o abono de permanência para corrigirem meus dados funcionais.
Mas até esse pedido simples esbarrou na má-vontade de reconhecer um direito óbvio. Tive que provar que a prefeitura onde eu atuava — cujo tempo já havia sido averbado no INSS — era, sim, um órgão público. Os próprios servidores resistiam a admitir isso, e acabei entrando várias vezes na justiça só para garantir o reconhecimento do que é básico.
Essa sucessão de processos desgasta demais: você perde a fé no Judiciário, no advogado e até no serviço público. A sensação é de que tudo foi feito para não funcionar.
A maior dificuldade para a aposentadoria de um Perito Médico do INSS não está na ausência de provas, mas na postura da própria instituição, que se recusa sistematicamente a reconhecer a insalubridade da atividade que ela mesma exige e descreve.
A própria descrição funcional do cargo impõe o contato direto com pacientes — presumivelmente portadores de patologias — já que é impossível conceber uma perícia médica realizada em indivíduos sem qualquer condição clínica.
Ainda assim, o INSS nega o risco biológico intrínseco à função, como se houvesse uma barreira estéril entre o profissional e o sofrimento humano que ele precisa avaliar.
Isso não é apenas tecnicamente absurdo — é institucionalmente desonesto.
Desde que adquiri meu direito à aposentadoria em 2018 — com 25 anos de atividade insalubre comprovados — o que deveria ser um reconhecimento e recompensa pela minha dedicação transformou-se em uma batalha interminável.
Mesmo contando com esse direito, sou obrigado a voltar todos os dias a um ambiente desagradável, onde faço o que é preciso, mas me sinto infeliz.
Carregar esse fardo, exercendo a função com dor, é uma sensação difícil de descrever: a palavra que melhor define essa situação é ruína.
Passei por todas as etapas imagináveis para garantir um direito básico.
Passei por um processo de reconhecimento da minha data de ingresso como servidor público — um direito claro, expresso em Certidão de Tempo de Contribuição (CTC), a ser averbada, mas recusado por um funcionário, talvez por má-fé, talvez por ignorância — o que é igualmente grave.
Passei por um processo judicial para reconhecimento do tempo especial com conversão para tempo comum.
Passei por um processo de solicitação do PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), que foi atendido parcialmente em março de 2024. Desde então, o processo ficou parado no Serviço de Saúde do Trabalhador após meu afastamento por depressão — por razões que a própria razão desconfia.
A criação do PPP é um ato administrativo técnico, que dispensa análise interpretativa, já que sua confecção estava expressamente orientada por despacho desde março de 2024 — e agora oficializada pelo Ministério da Previdência Social com ordem direta de realização.
Ainda assim, o documento segue parado há mais de 20 dias dentro da estrutura do Serviço de Gestão de Pessoas do INSS, sem qualquer movimentação.
Um documento que poderia ser resolvido em um único dia, em qualquer outro setor público ou privado, já soma seis anos e meio de espera.
No decorrer desse tempo, desenvolvi artrose de quadril, o que intensificou ainda mais meu quadro de dor.
Não sei se foi o somatório de tantas dores, mas comecei a sentir desconforto por todo o corpo. Essa condição, aliada à maratona burocrática e ao ambiente insalubre, causou-me um desgaste físico e emocional imenso.
No final de 2023, eu já não conseguia mais e precisei me afastar da atividade.
Já haviam se passado seis anos de luta jurídica, e eu acreditava que minha aposentadoria chegaria em breve — mas não foi assim.
Até hoje, em 2025, nada mudou.
Prestes a completar dois anos de afastamento, vejo-me forçado a retornar ao trabalho. Há o risco de ter de migrar para aposentadoria por invalidez e, se minha condição não for reconhecida como doença grave ou doença ocupacional, perderei todos os direitos acumulados desde 1998 — anos de serviço que qualificam para esse direito e que, até hoje, me negam.
Eu me pergunto a você, colega: como você está ou como estaria se estivesse no meu lugar?
Muitas vezes, na mesma sala, vemos companheiros enfrentando a mesma situação. Não escrevo isso para despertar pena — detesto esse sentimento — mas para que entendam onde e com quem estão trabalhando. E para alertar que, sem sorte ou sem alguém disposto a “estender a mão”, o que pode acontecer não é nada bom.
Existem funcionários no INSS que se colocam no lugar do requerente e entendem que o direito precisa ser cumprido. Mas há aqueles que não querem nem saber, pois acreditam que negar é o caminho mais fácil para não assumir culpa.
Por isso afirmo: “estender a mão” significa colocar-se no lugar do outro e tomar todas as providências necessárias para que seu direito seja reconhecido.
Mas, infelizmente, a grande maioria não age assim: a maior parte dos funcionários do INSS, no dia a dia, executa de forma mecânica as ordens que recebe por meio de manuais e orientações internas. Escrevem seu script, definem os caminhos do que consideram “correto” e se tornam peças das engrenagens da máquina de moer carne — carne humana.
Viver sem o reconhecimento do direito adquirido agrava-se com o passar dos anos, com o peso do desgaste emocional, com o agravamento natural das velhas doenças — e com o surgimento constante de novas.
Não peço favores.
Continuo lutando com as armas que tenho, mesmo me sentindo como um náufrago à deriva numa jangada — remando, ano após ano, pelas ondas da negligência institucional.
Luto porque acredito na força da verdade.
Luto porque ainda carrego, apesar de tudo, um senso de justiça que o sistema insiste em querer destruir.
Há 81 meses esperando por um direito adquirido desde 2018.
E se minha voz parecer isolada, saibam: ela é o eco de muitos — e o futuro de todos.
Que este manifesto sirva como registro, denúncia e esperança — de que, um dia, neste país, cumprir o dever seja suficiente para ter o direito respeitado.
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